No quadro do que estou a escrever encontrei no meu baú um artigo meu publicado no “Público “em 02 de Outubro de 1981” com o seguinte título “ O País das maravilhas.”.  

Para que tem memória curta publico partes essenciais do texto que se reporta aos tempos negros do cavaquismo. É bom lembro que a inflação nesse ano foi 18,94% e que muitos tiveram de entregar as casas aos Bancos devido ao encerramento das empresas, salários em atraso e desemprego.

“ (…) Ao ler a entrevista do primeiro-ministro e dirigente do PSD; Cavaco Silva, ao Público de 13/09/9, fiquei com a ideia que o país real não tem partidos, instituições legislativas e governo, mas apenas um ser superdotado e providente que pensa por todos e tudo realiza. Na entrevista, Cavaco Silva, utiliza pelo menos 60 vezes o pronome pessoal “eu” num estilo de providência autoritária contrário ao pensamento e comportamento democrático.

Afirma com toda a antipedagogia política: “Eu fiz obra”: “Eu governei…”Esquece os “seus” ministros, o parlamento, o país real e os fundos comunitários.

A demagogia política e a falta de princípios democráticos subjacentes ao carisma de Cavaco Silva são levados ao extremo, ao aproveitar os resultados o futebol juvenil para propagandear a sua política. Diz o primeiro-ministro: “…Há um novo estado de espirito de Carlos Queiroz. Ele dizia-me que, antigamente passava a fronteira e parecia que estava a perder 3-0. Agora não, a nossa juventude está com confiança, quer aqui quer lá fora…”É preciso não se ter pudor para se chegar a este extremo.

As crianças que trabalham em situações desumanas, os jovens que não conseguem entrar na universidade ou têm de “obrigar” os pais a passar sacríficos para que frequentem o ensino privado, os jovens que não conseguem emprego e não têm possibilidades de comprar habitação já podem ter confiança, pois vão vivendo com os resultados conjunturais de um trabalho profícuo no futebol juvenil! Cavaco Silva não deve viver em Portugal mas em algum “país das maravilhas” ainda por escrever (…).

É um estilo “eu prometo, eu digo, eu faço” e todos têm de acreditar, pois não há direito a contestações!

É a ditadura do absolutismo partidário, que a maioria absoluta possibilitou, através da criação perigosa do culto da personalidade, na qual se governamentaliza os órgãos de comunicação social e em que o clientelismo e o poder “laranja” se faz sentir a todos os níveis do aparelho de Estado (…). Os programas, as propostas e as ideias não fazem parte do vocabulário e comportamento político de Cavaco Silva. A política é ele próprio!...

Mas é indispensável esclarecer:

- O crescimento económico não corresponde a desenvolvimento; aumentaram as desigualdades e crescei o desequilíbrio da distribuição do rendimento nacional;

- Os salários em atraso não acabaram e basta ir ao Vale do Ave e falar com os trabalhadores da Coelima, e constatar as dificuldades por que estão a passar os da Tabopan para que o nariz do Cavaco cresça como o do Pinóquio! E muitas empresas acabaram com os salários em atraso, porque foram encerradas, lançando os trabalhadores no desemprego;

- As pensões aumentaram, mas são insuficientes e não chegam para fazer face ao actual custo de vida;

- O emprego “aumentou” com a precariedade, a proliferação do trabalho infantil e a domicílio e a pobreza encapotada;

A pessoalização do poder pode criar dificuldades à solidificação da democracia e ao exercício pleno da liberdade consagrada constitucionalmente. (…).”
Maia, 01.12.2023

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