O "PAÍS DAS MARAVILHAS" - 02OUTUBRO1991

Transcrevo partes de uma opinião pessoal publicada no "Publico" de 02 de Outubro de 1991.
Vale a pena reflectir sobre as responsabilidades do passado e presentes de  Cavaco Silva no estado  em que o País se encontra e qual tem sido o seu papel no Portugal após o 25 de Abril. Algumas partes estão a negrito para
uma melhor percepção da responsabilidade de Cavaco Silva e do PSD na crise grave que Portugal, actualmente, atravessa...Para já não falar do monstro sagrado dos interesses laranja  conhecido por BPN e da destruição das Pescas, da redução da área produtiva agrícola e do desmantelamento do tecido industrial.
" Ao ler a entrevista do primeiro-ministro e dirigente do PSD, Cavaco Silva, ao PUBLICO de 13/09/91, fiquei com a ideia que o País real não tem partidos, instituições legislativas e governo, mas apenas um ser superdotado e providente que pensa por todos e tudo realiza. Na entrevista, Cavaco Silva utiliza pelo menos 60 vezes o pronome pessoal "eu", num estilo de providência autoritária contrário ao pensamento e comportamento democrático.
Afirma com toda a antipedagogia politica "Eu fiz obra", "Eu governei...". Esquece os "seus"ministros, o parlamento, o pais real e os fundos comunitários.
A demagogia politica e a falta de princípios democráticos subjacentes ao carisma de Cavaco Silva é levada ao extremo, ao aproveitar os resultados do futebol juvenil para propagandear a sua politica. Diz o sr. primeiro-ministro " ...Há um novo estado de espírito de Carlos Queirós. Ele dizia-me que, antigamente, passava a fronteira e parecia que estava a perder 3-0. Agora não, a nossa juventude está com confiança, quer aqui quer lá fora..."É preciso não se ter pudor para se chegar a este extremo

As crianças que trabalham em situações desumanas, os jovens que não conseguem entrar na Universidade ou têm de "obrigar" os pais a passarem extremos sacrifícios para frequentarem o ensino privado, os jovens que não conseguem emprego e não têm possibilidade de comprar habitação já podem ter confiança, pois vão vivendo com os resultados conjunturais de um trabalho profícuo no futebol juvenil! Cavaco Silva não deve viver em Portugal mas em algum "país das maravilhas" ainda por escrever(...).
É um estilo "eu prometo, eu digo, eu faço" e todos têm de acreditar, pois não há direito a contestações!

É a ditadura do absolutismo partidário que a maioria absoluta possibilitou, através da criação perigosa do culto da personalidade, na qual se governamentaliza os órgãos de comunicação social e em que o clientelismo e o poder "laranja" se faz sentir a todos os níveis do aparelho de Estado(...). Os programas, as propostas e as ideias não fazem parte do vocabulário e comportamento politico de Cavaco Silva. A politica é ele próprio!...
Mas é indispensável esclarecer:
- o crescimento económico não corresponde a desenvolvimento, aumentaram as desigualdades e cresceu o desequilíbrio da distribuição do rendimento nacional;
- os salários em atraso não acabaram e basta ir ao Vale do Ave e falar com os trabalhadores do sector têxtil, e constatar as dificuldades por que estão a passar os da Tabopan, para o nariz do Cavaco Silva "crescer" como o do Pinóquio! E muitas empresas acabaram com os salários em atraso, porque foram encerradas, lançando os trabalhadores no desemprego;
- as pensões aumentaram, mas são insuficientes e não chegam para fazer face ao actual custo de vida;
- o empregou "aumentou" com a precariedade, a proliferação do trabalho infantil, ao domicilio e a pobreza encapotada.
A pessoalização do poder pode criar dificuldades à solidificação da democracia e no exercício pleno da liberdade consagrada constitucionalmente. Urge travar o eleitoralismo e a governamentalização do aparelho de Estado, acabando-se em 6 de Outubro com a maioria absoluta do poder "laranja"(..).
Porto,02 de Outubro de 1991
                                                                       António Neto





Comentários